Estrutura | para professor de Stanford, está tudo errado na formação do professor brasileiro
A avaliação é do professor de Stanford David Plank. Há 30 anos, o foco na educação brasileira era o de garantir que todas as crianças do país estivessem na escola. Hoje, esse objetivo foi praticamente superado e 98,2% das crianças com idade entre 6 e 14 anos têm aulas. Mas o avanço quantitativo não foi acompanhado pela qualidade. E é este o novo desafio da educação nacional. O diagnóstico é de David Plank, professor e pesquisador da Escola de Educação de Stanford e diretor executivo do centro de pesquisas Policy Analysis for California Education.
Profundo conhecedor do sistema educacional brasileiro, David lecionou como professor visitante na Universidade Federal da Bahia entre 1990 e 1995. Publicou vários estudos sobre a educação do país, entre eles o livro "Política Educacional no Brasil: Caminhos para a Salvação Pública".
"Nesse período que passei aqui no Brasil, entre os anos 1980 e 1990, os problemas da educação pareciam impossíveis de serem superados. A questão principal era como garantir que todas as crianças recebessem o mínimo de educação", diz o professor.
De volta ao país, ele afirma que os avanços são notáveis, principalmente na economia e na consolidação do sistema democrático. Mas ainda há muito o que fazer.
Plank esteve esta semana em São Paulo para o 2º Seminário Lemann Center de Stanford, promovido pela Fundação Lemann. Em conversa com EXAME.com, o professor americano falou sobre o longo caminho que ainda precisa ser percorrido para elevar a qualidade da educação brasileira e sobre o que considera um dos principais entraves ao ensino: a formação dos professores.
EXAME.com - Se tivesse que eleger apenas um, qual seria o principal desafio para a educação do Brasil hoje?
David Plank - O desafio principal é a qualidade da educação. Desde 1995, o governo conseguiu universalizar a educação básica. Mas a qualidade do ensino - na educação básica, média e superior - continua péssima. O desafio agora é melhorar a qualidade, o que não é uma coisa simples. Outro desafio importante para o governo brasileiro se refere ao ensino médio. O número de alunos está crescendo rapidamente e o governo vai ter que construir novas escolas e recrutar novos professores para poder acomodar todos eles.
EXAME.com - Estamos próximos de alcançar a educação dos países desenvolvidos, em termos de qualidade e gastos?
Plank - Em termos de porcentagem do PIB, sim, mas em termos de gastos líquidos não. Eles são muito menores aqui no Brasil. Gastos com educação não significam a mesma coisa em todos os países. No Brasil, custos de saúde e aposentadoria (de servidores) estão incluídos na verba de educação. Eles pegam grande parte do orçamento, mas não tem nenhum retorno para as escolas e para os alunos. Nos EUA, por exemplo, esse tipo de gasto fica fora do orçamento educacional. Ou seja, nos Estados Unidos, destinamos 5% do PIB para e educação, mas eles valem muito mais que os 5,8% do Brasil, porque excluímos os gastos com serviços auxiliares, que não fazem parte do processo educacional.
EXAME.com - O senhor faz críticas à formação dos professores brasileiros. Qual o problema?
Plank - Tudo está errado. A formação pré-profissional, nas universidades, não é muito boa, e a reciclagem no meio da carreira também é fraca. Essa deve ser a grande prioridade para o Estado brasileiro: melhorar o desempenho dos professores. Esse é o ponto de alavancagem para melhorar o sistema como um todo.
EXAME.com - Qual deve ser o foco da solução?
Plank - O curso nas faculdades de educação é muito teórico, tem poucas técnicas de aprendizado. Além disso, a formação pré-profissional não precisa ser oferecida nas Universidades. Não há necessidade disso. Temos que experimentar outras formas de formação. Nas próprias escolas e nas empresas especializadas em formação, para ver se é possível ter uma formação mais efetiva, mais de acordo com a realidade das escolas.
EXAME.com - O Brasil sabe fazer uso de tecnologia nas escolas?
Plank - A meu ver, temos dois problemas ligados à tecnologia no Brasil. O primeiro é que os educadores em geral pensaram que ter um laboratório de computadores na escola significaria incorporar o meio digital no currículo, que para isso bastaria por os alunos em contato com o computador. Isso, claro, não deu certo, porque não foi integrado ao dia letivo. Foi apenas um “bônus” para os alunos que tinham 1 hora do dia para descansar um pouco mexendo no computador.
EXAME.com - E como as escolas de baixa renda devem usar a tecnologia para ajudar os alunos?
Plank - Agora o problema é outro. Temos tecnologias mais individualizadas e mais baratas, como os tablets, mas que sozinhos não valem muito na sala de aula. Ele necessita de um professor muito sofisticado para poder utilizá-lo explorando todas as possibilidades que o tablet apresenta. Esse tipo de professor, o Brasil ainda não tem. Eu sei que tem prefeitos e governadores no Brasil que querem comprar tablets para todos os alunos e, de fato, a tecnologia promete muito. Para que funcione, porém, é preciso uma adequada formação dos docentes e um currículo que apresente oportunidades de efetivamente explorar a tecnologia.
EXAME.com - O setor privado deve ajudar na educação pública? De que forma?
Plank - Há no Brasil um imposto que se chama “salário educação” que faz com que as empresas contribuam com o ensino público. Mas elas tinham a oportunidade de não pagá-lo e usar os recursos para arcar com a escola dos filhos dos funcionários. A participação de empresas privadas na educação já tem uma história longa no Brasil, mas isso não deu certo por diversas razões. Neste momento, o setor privado pode ajudar principalmente na área de formação, porque eles levam a sério a formação profissional. Eles sabem muito sobre formação efetiva e eficiente. Dentro ou fora das faculdades de educação.
EXAME.com - Como conhecedor da educação brasileira, como o senhor vê as cotas raciais e sociais nas universidades públicas?
Plank: Essa também é uma questão controversa nos EUA. Assim como lá, no Brasil também há uma questão racial que precisa ser resolvida, que deixa os negros à margem da sociedade. Essa situação vai persistir sem uma intervenção politica que abra portas para os negros. Então, as ações afirmativas são necessárias. Mas não deixam de ser polêmicas, porque quando uma Universidade pública estabelece uma política de cotas sem aumentar o número de vagas para abrigar esses novos alunos, uma parcela de estudantes que antes entrariam na Universidade acaba ficando de fora.
Jony Lan
Especialista em estratégia, marketing e novos negócios
jonylan@mktmais.com
Fonte: Exame