Atendimento ao cliente | pesquisa revela que consumidor também acordou no Brasil e as empresas pioraram
Atendentes da Avianca: eles ganharam viagens para que entendessem melhor os clientes
Os brasileiros estão mais exigentes não apenas com o governo. A cobrança sobre as empresas também cresceu — o que derrubou a média geral do ranking EXAME/IBRC de Atendimento ao Cliente.
Nas últimas semanas, os brasileiros foram às ruas protestar contra quase tudo — do preço das passagens de ônibus ao número de ministérios. Não se viram consumidores carregando cartazes para exigir melhor atendimento de varejistas, operadoras de telefonia, fabricantes de eletrodomésticos, mas o sentimento de indignação parece ter chegado também às empresas.
O quarto ranking EXAME/IBRC de Atendimento ao Cliente revela que, pela primeira vez, a nota geral das empresas caiu. Realizado pelo Instituto Brasileiro de Relacionamento com o Cliente (IBRC), trata-se da mais importante pesquisa sobre qualidade de atendimento feita no país.
A análise é dividida em quatro etapas. Primeiro, o IBRC ouve mais de 3 000 consumidores em 99 cidades para descobrir por quais empresas foram bem ou mal atendidos. Depois, envia um questionário às companhias, realiza testes com clientes ocultos e faz uma rodada de conversa com os clientes das 100 empresas mais citadas.
Ao final de quatro meses, chega ao ranking das 50 melhores e das 50 piores, e à média final da qualidade do atendimento. Aí entra a má notícia: a média caiu de 63,5 para 58,5 pontos num total de 100 — é o pior resultado desde o primeiro levantamento, em 2010. Dos 3 000 entrevistados, 680 disseram que não foram bem atendidos por nenhuma empresa — ante 398 em 2012.
É uma queda inédita, mas esperada por quem acompanha de perto essa relação potencialmente conflituosa. “Há um descompasso: os clientes ficaram mais exigentes e as empresas não investiram para acompanhá-los”, diz Alexandre Diogo, presidente do IBRC. É uma evolução natural no país.
Ao longo da última década, mais de 30 milhões de brasileiros ascenderam na pirâmide social e passaram a ter acesso a produtos e serviços antes inalcançáveis. Agora, eles não se contentam mais em ter o celular da moda, ou em conseguir fazer compras pela internet. Querem ser bem tratados.
Essa mudança no comportamento do consumidor foi acelerada pela expansão maciça de redes sociais como o Facebook — onde uma opinião negativa pode se multiplicar entre dezenas ou centenas de amigos virtuais — e coincidiu com um momento de freada na economia. Para conseguir manter a rentabilidade em um ano de crescimento anêmico, como foi 2012, as empresas seguraram seus investimentos.
E, nesse cenário, áreas responsáveis pelo relacionamento com o consumidor — como treinamento — tiveram seu orçamento reduzido. “Os executivos cortaram na qualidade do serviço, o que é um erro”, afirma Paulo Góes, diretor executivo do Procon em São Paulo.
Cliente em segundo plano
Como mostram os resultados do ranking EXAME/IBRC, o consumidor não perdoa ser deixado em segundo plano. Mesmo empresas que foram destaque em edições anteriores despencaram desta vez. Foi o que aconteceu com as empresas de telefonia Nextel, que teve a maior queda (38 posições), e GVT (caiu 26 posições), e com a concessionária de energia elétrica Cemig (caiu 36).
Depois de anos de forte crescimento na receita, a Nextel decidiu terceirizar as áreas de engenharia e de cobrança. A qualidade do sinal caiu e aumentou muito o envio de faturas com atraso e contas indevidas, o que enfureceu os clientes. Em 2011, a empresa era a 25ª do ranking de atendimento. Agora está na 80ª posição. O lucro caiu 54% de 2011 a 2012.
Em comunicado, a Nextel diz que internalizou as áreas novamente em 2013 e aumentou os investimentos em qualidade. Já a GVT, que foi a 24ª colocada do ranking em 2012 e agora está na 50a posição, enfrentou dificuldades com a implantação de seu novo serviço de TV por assinatura — quedas de sinal eram frequentes.
Como a empresa instalou milhares de novos pontos pelo Brasil, a equipe de atendimento acabou sobrecarregada. Apenas em novembro a GVT criou uma diretoria de qualidade, que assumiu o serviço de atendimento — mas não a tempo de evitar uma queda no ranking. A Cemig diz que obras de manutenção da rede no fim de 2012 resultaram em mais interrupções de serviço do que o esperado. A empresa ficou na 81a posição.
Em anos anteriores, empresas de telefonia e comércio eletrônico foram apontadas como as vilãs do ranking. Agora dois novos setores estão levando a paciência dos consumidores ao limite: os serviços de TV por assinatura e os planos de saúde. Ambos tiveram saltos expressivos de demanda — a TV paga cresceu 30% ao ano nos últimos três anos, e 9 milhões de brasileiros viraram clientes dos planos de saúde.
O crescimento acelerado, porém, esbarrou na falta de investimento em serviço e atendimento para sustentar a expansão. A operadora de TV por assinatura Sky caiu 17 posições — no Procon-SP, as queixas contra a empresa aumentaram 200% no último ano.
A companhia que ficou na última posição do ranking neste ano, a operadora de planos de saúde Intermédica, teve 85% de citações negativas na primeira fase da pesquisa, aquela em que os consumidores falam espontaneamente sobre experiências boas e ruins de atendimento. As principais críticas foram em relação ao troca-troca de profissionais da rede credenciada. Procuradas, Sky e Intermédica não deram entrevista.
A alta rotatividade de funcionários, aliás, foi apontada pelas empresas como um dos principais problemas para manter a qualidade do atendimento. Não por acaso, cadeias de restaurantes, como McDonald’s, Bob’s, Habib’s e Giraffas, que, na média, trocam 100% de suas equipes ao longo do ano, ficaram entre as 25 piores do ranking.
“Viramos mais uma empresa de contratação e treinamento do que de lanches”, diz Marcello Farrel, diretor do Bob’s. “É impossível manter um padrão de atendimento nesse cenário.” O Bob’s chegou a reduzir em um terço o tempo de treinamento dos funcionários para evitar que faltasse gente para atender nas lanchonetes.
Durante a elaboração do ranking, o IBRC pergunta para ao menos 500 atendentes das 100 empresas quando foi a última vez que eles participaram de um treinamento. Do ano passado para cá, a resposta “Não lembro” subiu de 38% para 57%. Segundo o treinador de vendedores Wilson Mileris, que atende empresas como o Grupo Pão de Açúcar e o banco Itaú, o número de companhias que contratam cursos caiu pela metade em 2012. “A principal justificativa é corte de custos”, diz.
O levantamento do IBRC ainda apontou que o número de queixas de consumidores de descortesia no atendimento mais que triplicou de um ano para cá. Além de mal atendidos, 11% dos clientes ainda ouvem desaforos dos funcionários.
Mesmo com tantas dificuldades, um grupo de empresas conseguiu crescer sem fazer da vida do cliente um inferno. Em 2012, a companhia aérea Avianca aumentou em 80% a receita e subiu 23 postos no ranking EXAME/IBRC, ficando na 15a posição. Um dos trunfos foi dobrar a equipe de atendimento, que agora tem 300 pessoas.
Nesse processo foi identificado um gargalo: alguns funcionários tinham dificuldade de entender as reclamações dos clientes porque nunca tinham viajado de avião. A companhia passou, então, a dar viagens gratuitas para a equipe. Mudanças quase banais também podem melhorar a percepção do cliente.
O banco Ibi, do grupo Bradesco, ficou entre as cinco piores do ranking no ano passado. Ao analisar os motivos, o banco descobriu que o e-mail para contestação de despesas no cartão de crédito, um dos serviços mais requisitados, tinha 23 caracteres antes do sinal de arroba — os clientes demoravam 85 segundos para anotar. Agora tem só sete.
O Ibi também descobriu que 97% de seus clientes tinham razão ao contestar despesas na fatura. Hoje, quando recebe uma queixa, lança o estorno logo na próxima conta — antes investigava cada caso, o que poderia atrasar a devolução em até dois meses. Neste ano, o Ibi subiu 28 posições.
Para quem foi mal, a má notícia: todos os sinais são de que o consumidor ficará cada vez mais exigente. Um primeiro passo para melhorar essa relação é confiar na honestidade dos clientes. “Nos Estados Unidos, há décadas o consumidor pode mudar de ideia em relação a uma compra e receber o dinheiro de volta, sem questionamentos ou burocracia”, diz Luiz Fernando Turatti, professor de estratégia do Insper. Nesse quesito, as empresas brasileiras andaram para trás.
Abs,
Jony Lan
jonylan@mktmais.com
Fontes: Exame