Gestão | as lições para os líderes com a renúncia do Papa
Em 11 de fevereiro, o papa Bento 16 anunciou sua renúncia, mencionando sua idade e a deterioração de seu vigor físico. Primeiro papa a abdicar do posto desde 1415, ele vive hoje seu último dia como pontífice, posto do qual se afastará amanhã.
Nesta entrevista, Nancy Koehn, professora e historiadora da liderança na Escola de Administração de Empresas da Universidade Harvard, discute as implicações da decisão de Bento 16 para os líderes do mundo empresarial.
"Harvard Business School Publishing" - Por que a renúncia do papa importa, no quadro mais amplo de como compreendemos o trabalho e a liderança?
Nancy Koehn - A lição número um é a importância da resistência e do vigor físico, a capacidade de manter a energia pessoal em nível elevado e saudável de maneira muito consistente.
É espantoso o quanto isso é difícil -e não é um problema especifico do papa Bento 16. Afeta a todos nós igualmente, e não falamos muito a respeito. Exceto quando sai o resultado do checape médico do presidente dos EUA, não falamos sobre a força física e mental de que um líder precisar para se sentar às mesas onde há tanto a decidir.
A lição número dois gira mais em torno de como é extraordinariamente difícil prover liderança efetiva.
A renúncia do papa por motivos de saúde é algo a que todos devemos prestar atenção, porque ele é um líder para mais de 1 bilhão de pessoas. Seu trabalho é muito difícil, e não só porque existem escândalos e abusos na organização que comanda.
Sua renúncia parece bastante distante, mas, vista com mais atenção, não é tanto assim. Ela se deve a tudo que um líder precisa enfrentar e ao fato de que isso não vai mudar. Pelo contrário: ele está renunciando porque é improvável que as coisas melhorem para ele amanhã.
Assim, qual é a resposta para os líderes mais velhos, os adoentados, os fatigados? Será renunciar quando a pessoa sente que já não pode mais cumprir suas funções? Ou há uma pressão ampliada para que ela continue trabalhando pelo tempo que for possível?
Não creio que a questão primária aqui seja a idade. Acredito que seja mais a energia e entusiasmo, e uma espécie de ímpeto físico, moral, intelectual e espiritual -um apetite. É algo que todo líder precisa manter e estimular.
Não importa que o ímpeto venha de ler a poesia de Keats, ou de dançar tango toda terça-feira, ou de ouvir uma grande sinfonia, ou de trabalhar como DJ uma noite por semana -se isso é preciso para que um papa, presidente de empresa, líder político ou missionário se sinta renovado e energizado, então, por Deus, isso é algo que o líder precisa fazer; é parte da sua responsabilidade como líder.
Não quer dizer apenas fazer uma hora de esteira a cada manhã. Significa se reabilitar e refrescar o coração, o senso de humor e o poder de recuperação.
Não basta uma recuperação a cada oito meses; duas semanas de férias em Nantucket (ilha que recebe muitos turistas durante o verão, em Cape Cod, no Estado americano de Massachusetts).
O papa Bento 16 é uma pessoa que provavelmente se olhou no espelho, contemplou seus predecessores (nenhum dos quais fez o que ele está fazendo) e pensou que "isso é algo que tenho de fazer. Por mim. Porque estou contemplando com honestidade meu balanço físico, mental e espiritual e não tenho ativos suficientes".
De certa forma, é um gesto de grande responsabilidade, uma resposta real aos seus deveres espirituais.
Por que não costumamos falar sobre como é duro ser um grande líder?
Porque todos desejamos acreditar, de modo bastante romântico, que liderança é uma qualidade nata. Que os líderes são mais que humanos. Que são feitos de um material diferente, desceram do Olimpo para nos ajudar.
Queremos acreditar nisso porque é uma coisa que nos entusiasma e nos leva a desejar trabalhar com eles. Isso estimula nossa esperança de que as pessoas dotadas de poder tenham um grande senso de responsabilidade, e possam oferecer respostas que não conseguimos ver.
Há coisas boas nessa inclinação, nessa dissonância cognitiva. Mas ela não é real.
Há algo de igualmente valioso, inspirador, em ignorar essa página do manual -a que diz que os líderes nascem assim, são especiais- e ler a página que diz que "os líderes são formados, e não só natos, e são formados de maneiras inesperadas. Eles reconhecem o quanto são humanos".
Isso é o que permite que nos relacionemos com eles, que os sigamos e aceitemos os desafios que propõem. E também nos mostra do que as pessoas são capazes em termos de liderança com base no melhor de sua natureza.
Restam poucas "posições vitalícias" -o papa, os professores titulares em uma universidade e os juízes da Corte Suprema dos Estados Unidos parecem ser alguns dos últimos remanescentes. A decisão de Bento 16 de renunciar muda a narrativa do "você terá esse posto até morrer"?
Sim, muda. Nas universidades, existem muitas pressões contra a ideia de que esses postos continuem a ser vitalícios. Em muitas instituições, essas pressões vêm desgastando os argumentos originais em favor dessa prática -que envolviam dar às pessoas que escrevem e lecionam a liberdade de dizer o que precisam dizer.
Há novas pressões, que começam a sugerir novos paradigmas, como a destruição do emprego vitalício. Suspeito que isso ganhará importância na Corte Suprema, nos próximos dez anos, ou ao menos haverá mais debate quanto a isso.
E agora haverá debate sobre o papa e a forma pela qual ele é escolhido. Teremos de nos perguntar se podemos correr o risco, por assim dizer, de conceder uma posição vitalícia a alguém quando há tanta mudança e turbulência em toda parte. Estamos falando de turbulência como a nova normalidade, e se uma posição vitalícia deveria ser concedida nesse contexto.
Gretchen Gavett é editora associada da "Harvard Business Review".
Tradução de Paulo Migliacci
Jony Lan
Especialista em estratégia, marketing e novos negócios
jonylan@mktmais.com
http://br.linkedin.com/in/jonylan
Fonte: FolhadeSãoPaulo