Pergunta, como conceituar o Ford Ka?
Vejam mais uma pergunta de um de nossos leitores:----------------
Bom dia Jony!
Meu nome é Antônio, sou estudante do terceiro período de design de produto na Escola de Design da UEMG. Acompanho seu blog pois me interesso, e acredito ser de extrema importância para a profissão que eu quero seguir, por marketing. Fizemos um trabalho para disciplina de Metodologia Aplicada ao Design onde o professor pediu para conceituar-mos cinco produtos. Um dos problemas é que, dependendo de qual visão se usa, conceito tem diversos significados apesar de ter o mesmo cerne. Um dos produtos do meu grupo foi o Ford Ka. Depois de quebrar a cabeça eu concluí que o conceito do carro é ousadia. Justifiquei dizendo que ele foi uma aposta da Ford, introduziu um estilo que posteriormente foi adotado em todos os veículos da marca e foi uma jogada de risco pois poderia ter dado muito errado sendo um grande fracasso, já que ele era muito diferente dos veículos da época. Entretanto, de acordo com meu professor o bom conceito é perceptível e ousadia não está correto. Pra você, como conceituar o Ford Ka? Depois de apresentar eu diria que o conceito é um carro compacto, urbano, jovem e simples. Será que você poderia me ajudar nesse impasse de como conseguir conceituar corretamente um produto?
Desde já agradeço!
Abraço.
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Caro Antônio,
Muito obrigado pela sua mensagem e visita. Está aí um bom case sobre o assunto "conceito".
Sim, o ponto de vista e o gosto possuem muitas facetas, mas quando uma empresa conceitua algo e o seu professor quer um posicionamento de vocês, futuros profissionais, ele está querendo um posicionamento do que é mais forte nesse conceito. Adjetivos nem sempre são bons para definir conceitos, pois tendência a resposta a algo sem justificativa, apenas uma opinião.
Como qualquer produto, a percepção é um fator importante para sabermos se o conceito que criamos está sendo "percebido" conforme "planejamos". Você tem uma marca, um nome, uma reputação e pode criar um conceito em volta do seu estilo de se vestir, de se comportar, da maneira como conversa. Se o que você quer passar é igual ao que as pessoas dizem sobre, significa que a sua clareza no conceito que quer passar está sendo bem .... percebido.
Você verá isso nas campanhas de comunicação das empresas para o lançamento de novos produtos, anúncios, etc. Eles sempre pensam em repassar as características do conceito para o público em geral e claro, os clientes só receberão a mensagem, farão a tradução e terão uma opinião sobre o que receberam de informação, isso é uma das pontas do que o seu professor está dizendo que a percepção de um conceito. Ou seja, a empresa pensa em conceito, o cliente pensa em características do produto, sendo bem marketing simples, ok?
Falando de produtos, temos que traduzir o contexto. Somos obrigados a entender o contexto de cada produto. Meu pai tinha um vídeo cassete antes de 1980 com controle remoto com fio, sim, com fio meus caros! E eu me lembro bem. Era uma época pela briga das fitas em VHS ou Betamax da Sony, ganhou a VHS e hoje sumiram do mercado. E aí você me perguntaria, qual o conceito do produto? Cinema em casa! E qual o conceito do DVD? Cinema em casa! Claro, além de gravar seus programas preferidos, coisa que hoje uma TV com HD pode fazer por você e os DVDs simples, não. Ou seja, só houve uma evolução da tecnologia, o conceito de ter um aparelho em casa que pudesse gravar e ver, continua o mesmo, nas devidas proporções.
Vamos analisar o contexto dos anos 90. Era uma época em que os carros eram tachados de "carroças" pelo então presidente Fernando Collor de Melo. Com uma reserva de mercado, o Brasil dependia das montadoras instaladas nos governos militares e para que fazer um carro bom se qualquer carro era vendido? Para se ter uma ideia, o Fiat 147, carro chefe da Fiat, parava nas ruas quando chovia. Eis que o governo lança um desafio, lançar um carro popular que custasse entre 8 a 10 mil dólares e tivesse até 1000 cilindradas. Nascia aí a moda pelos carros 1.0. Na época, por volta do início dos anos 90, os carros foram "rebaixados", as montadoras simplesmente pegaram os carros que tinham na época e "depenaram" eles. O Chevette Júnior lançado para ser um carro popular tinham vidros mais finos, por exemplo. O único carro mais novo, mais leve, mais econômico e que tinha uma cara mais estilizada para a época era o Uno, por ser mais compacto. Com essa "popularização" (que não era a primeira no Brasil), o Uno passa de quarto mais vendido para o segundo carro mais vendido no Brasil.
Em 1994 a GM do Brasil lança o Corsa, o primeiro carro da era 1.0 com um novo design para a época. Compacto como o Uno, mais bonito, ao preço de um popular e com a reputação de ser Chevrolet e não Fiat. Qual a percepção dos consumidores? A estratégia de marketing da GM para a época foi tão boa que já havia fila de espera pelo carro nas concessionárias sem ao menos ele ter sido lançado nas ruas, apenas nas propagandas na televisão. Claro, isso abriu brechas para o Uno Mille ser vendido mais ainda, pois enquanto a GM não entregava o Corsa, o Uno Mille tinha aos montes e a Fiat ganhava mais mercado no Brasil.
Veja bem, em um país em que apenas 4 montadoras dominavam o mercado, qualquer novidade era muito bem recebida pelos consumidores. Foi só a partir da possibilidade da instalação de novas montadoras no Brasil, da abertura do mercado de importações é que as 4 montadoras Brasileiras (VW, GM, FORD e FIAT) resolveram acelerar o lançamento de novos carros. E foi nesse cenário competitivo que a Ford traz o conceito do Ford Ka, um carro que teria que ser melhor que o Uno, melhor que o Corsa e tentar desbancar o campeão de vendas, GOL.
Veja o que disse a revista Quatro Rodas sobre oFord Ka:
Mas uma das maiores revoluções em termos de design chegaria em 1997, com o Ka. Precursor do estilo New Edge, o carro dividiu opiniões com suas desenho controverso. As mesmas linhas arrojadas seriam adotadas no Focus, que apareceu em 2000 para substituir o Escort.
http://quatrorodas.abril.com.br/reportagens/ford-90-anos-brasil-451715.shtml
O site da Ford diz só o seguinte:
Em 1996, a Ford lançou o Fiesta, primeiro automóvel compacto da marca, e, um ano depois, o Ford Ka. Esses dois modelos são os mais vendidos da linha Ford.
Ou seja, a Ford já sabia que os carros 1.0 eram comprados por pessoas mais jovens ou para os mais jovens (já que demorou a lançar o seu novo carro), deveriam ser econômicos e o peso do carro influenciaria isso. O carro tinha um conceito inovador, voltado para o jovem que gostava de ser diferente do padrão "quadrado" e mais estilizado que o então padrão Corsa. Por serem carros mais leves, as mulheres gostavam do carro, por ser compacto, simples de dirigir e fácil de estacionar, começava aí uma tendência das mulheres brasileira adotarem carros mais compactos. Fora que a Ford estava perdendo esse novo nicho de mercado, o dos carros 1.0 por não ter um "carro" novo que não fosse "depenado" para ser um verdadeiro 1.0. Assim, o Ka foi concebido para ser um carro pequeno, simples, econômico e com design inovador para a época. Conseguiu o que queria, mas não conseguiu as vendas que queria, isso pode ser em função da percepção da população em não estar em linha para absorver o conceito que a Ford queria, diferente do sucesso do EcoSport, nicho de "SUV depenado" e barato que não era explorado no Brasil. mas aí é outra história.
Assim, para qualquer conceito de um produto, é primordial que você entenda o contexto de quando o produto foi lançado e que adjetivos demais não favorecem nenhum conceito de produto, pois pode dispersar a percepção dos clientes.
E no mais, é perguntando que se aprende.
Grande abraço,
Abs,
Jony Lan
Especialista em estratégia, marketing e novos negócios
jonylan@mktmais.com